domingo, 7 de janeiro de 2018

A segunda lição sobre o amor


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Por Elis Franco


“Eu pensando em ter você
Pelo tempo que durar”

Adriana Calcanhoto e Marisa Monte

Em 2015, escrevi um texto cujo título é “A primeira lição sobre o amor”, na tentativa de registrar um diálogo que tive com minha filha de cinco anos, quando esta me perguntou se poderia ficar para sempre com um bichinho chamado “soldadinho”. Resumindo, numa conversa bem leve, mostrei para ela que poderia ficar, mas não deveria aprisioná-lo, pois o para sempre deveria durar até o momento em que ele desejasse, ou seja, seria infinito enquanto durasse.
Naquele momento, estava eu tentando ensinar-lhe sobre este sentimento tão ambíguo que é o amor, julgando-me compreendê-lo bem, visto que este foi o tema de minha dissertação de mestrado. Na verdade, ao ensiná-la, era a mim que ensinava; eu precisava acreditar no que dizia. Acreditar eu até acreditava e acredito, porém, o mais difícil é permitir que alguém especial, cuja presença significa muito,  parta de nossas vidas.
Eu já li e leio sobre o amor, defendo, inclusive, a desconstrução do amor romântico, da ideia de que há uma metade da laranja nossa perdida pelo universo, como quis Platão ao narrar o mito do andrógino, e que apenas ao lado dela seremos eternamente felizes. Certa vez, ao conversar com um colega sobre esse tema, cheguei a afirmar que somos capazes de amar duas pessoas ao mesmo tempo, por razões diferentes, sem desejar perder nenhuma delas, como na letra interpretada por Marisa Monte, “Amar alguém e outro alguém também/ É coisa que acontece sem razão”. Ele, porém, disse-me que era impossível, pois caso as duas estivessem afogando-se, seria necessário decidir salvar apenas uma e, claro, seria salva a que fosse mais amada.
Aquela reflexão desestabilizou minhas certezas. Será que não há como amar duas pessoas ao mesmo tempo? Ou melhor, será que  não há como amar, com a mesma intensidade, duas pessoas? Sei apenas o quanto não é fácil definir esse sentimento... não há mesmo como defini-lo sem limitá-lo. Contudo, tentei, outro dia, expressar, por meio de versos,  o que seria o amor : “Amor é repousar a cabeça/pensando na eternidade:/(esse sonho infantil)./É escolher permanecer/por gratidão, tesão, ou/ − quem sabe – sentimento./ Ou por tudo isso reunido, /ou por nada disso: amar é/insondável profundidade.”
Em matéria de amor, cada pessoa tem sua história, não há receita. Para alguns, o amor malsucedido é devastador, deixa marcas difíceis de superar. Para outros, porém, “Se a madrugada hesita num desmaio,/ um novo amor convido para a dança”, como cantam os versos do poeta Cajazeiras Ramos. Penso que, qualquer que seja a definição para o sentimento que invade e aproxima dois seres, é imperioso vivê-lo intensamente, não permitindo que os vestígios de relacionamentos anteriores assombrem o momento presente.
Talvez, a melhor definição para o amor seja “o indefinido”. De nada adianta querer compreender as suas “sem” razões de existir. O melhor, de fato, é aprendermos a nadar, a enfrentarmos as ondas agitadas do mar do amor, pois nunca se sabe se seremos a pessoa escolhida para ser salva no momento das intempéries.
Que todo amor seja amor apesar de... Que todo amor seja amor para além de... Que todo amor seja apenas amor, enquanto for permitido ser. E caso algo dê errado pelo caminho, sentir o baque é natural, sofrer aquele aperto no coração também. Mas, depois, ouça Marisa cantando “Quero que você seja feliz/ Hei de ser feliz também”, ou outro estilo desejado. Afinal, esta história de alma gêmea e tampa da panela já está meio desacreditada, não é?

Feira de Santana, 07 de janeiro de 2018

Publicado em: FRANCO, Elis. Memórias afetivas. Salvador: Cogito, 2018. p.69 e 70

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