Por Elis Franco
“Eu pensando em ter você
Pelo tempo que durar”
Adriana
Calcanhoto e Marisa Monte
Em 2015, escrevi um
texto cujo título é “A primeira lição sobre o amor”, na tentativa de registrar
um diálogo que tive com minha filha de cinco anos, quando esta me perguntou se poderia ficar para sempre com um bichinho chamado “soldadinho”.
Resumindo, numa conversa bem leve, mostrei para ela que poderia ficar, mas não
deveria aprisioná-lo, pois o para sempre deveria durar até o momento em que ele
desejasse, ou seja, seria infinito enquanto durasse.
Naquele momento, estava
eu tentando ensinar-lhe sobre este sentimento tão ambíguo que é o amor, julgando-me
compreendê-lo bem, visto que este foi o tema de minha dissertação de mestrado.
Na verdade, ao ensiná-la, era a mim que ensinava; eu precisava acreditar no que
dizia. Acreditar eu até acreditava e acredito, porém, o mais difícil é permitir
que alguém especial, cuja presença significa muito, parta de nossas vidas.
Eu já li e leio sobre o
amor, defendo, inclusive, a desconstrução do amor romântico, da ideia de que há
uma metade da laranja nossa perdida pelo universo, como quis Platão ao narrar o
mito do andrógino, e que apenas ao lado dela seremos eternamente felizes. Certa
vez, ao conversar com um colega sobre esse tema, cheguei a afirmar que somos
capazes de amar duas pessoas ao mesmo tempo, por razões diferentes, sem desejar
perder nenhuma delas, como na letra interpretada por Marisa Monte, “Amar alguém e outro alguém também/ É coisa
que acontece sem razão”. Ele, porém, disse-me que era impossível, pois caso
as duas estivessem afogando-se, seria necessário decidir salvar apenas uma e,
claro, seria salva a que fosse mais amada.
Aquela reflexão desestabilizou
minhas certezas. Será que não há como amar duas pessoas ao mesmo tempo? Ou
melhor, será que não há como amar, com a
mesma intensidade, duas pessoas? Sei apenas o quanto não é fácil definir esse
sentimento... não há mesmo como defini-lo sem limitá-lo. Contudo, tentei, outro
dia, expressar, por meio de versos, o
que seria o amor : “Amor é repousar a cabeça/pensando na eternidade:/(esse
sonho infantil)./É escolher permanecer/por gratidão, tesão, ou/ − quem sabe –
sentimento./ Ou por tudo isso reunido, /ou por nada disso: amar é/insondável
profundidade.”
Em
matéria de amor, cada pessoa tem sua história, não há receita. Para alguns, o
amor malsucedido é devastador, deixa marcas difíceis de superar. Para outros,
porém, “Se a madrugada hesita num
desmaio,/ um novo amor convido para a dança”, como cantam os versos do
poeta Cajazeiras Ramos. Penso que, qualquer que seja a definição para o
sentimento que invade e aproxima dois seres, é imperioso vivê-lo intensamente,
não permitindo que os vestígios de relacionamentos anteriores assombrem o
momento presente.
Talvez,
a melhor definição para o amor seja “o indefinido”. De nada adianta querer
compreender as suas “sem” razões de existir. O melhor, de fato, é aprendermos a
nadar, a enfrentarmos as ondas agitadas do mar do amor, pois nunca se sabe se
seremos a pessoa escolhida para ser salva no momento das intempéries.
Que
todo amor seja amor apesar de... Que todo amor seja amor para além de... Que
todo amor seja apenas amor, enquanto for permitido ser. E caso algo dê errado
pelo caminho, sentir o baque é natural, sofrer aquele aperto no coração também.
Mas, depois, ouça Marisa cantando “Quero
que você seja feliz/ Hei de ser feliz também”, ou outro estilo desejado. Afinal,
esta história de alma gêmea e tampa da panela já está meio desacreditada, não é?
Feira
de Santana, 07 de janeiro de 2018
Publicado em: FRANCO, Elis. Memórias afetivas. Salvador: Cogito, 2018. p.69 e 70
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